7 de abril de 2010

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Heterónimos de Fernando Pessoa e as suas características
Ricardo Reis
Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, “Prefiro rosas, meu amor, à pátria” ou “Segue o teu destino” são poemas que nos mostram que este discípulo de Caeiro aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções e sentimentos, mas defende, sobretudo, a busca de uma felicidade relativa alcançada pela indiferença à perturbação. A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o carpe diem, como caminho da felicidade, mas sem ceder a impulsos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que pretende alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, o estado de ataraxia. Ricardo Reis, que adquiriu a lição do paganismo espontâneo de Caeiro, cultiva um neoclassicismo neopagão (crê nos deuses e nas presenças quase divinas que habitam todas as coisas), recorrendo à mitologia greco-latina, e considera a brevidade, a fugacidade e a transitoriedade da vida, pois sabe que o tempo passa e tudo é efémero. Daí fazer a apologia da indiferença solene diante o poder dos teus e do destino inelutável. Considera que a verdadeira sabedoria de vida é viver de forma equilibrada e serena, “sem desassossegos grandes”. A precisão verbal e o recurso à mitologia, associados aos princípios da moral e da estética epicuristas e estóicas ou à tranquila resignação ao destino, são marcas do classicismo erudito de Reis. Poeta clássico da serenidade, Ricardo Reis privilegia a ode, o epigrama e a elegia. A frase concisa e a sintaxe clássica latina, frequentemente com a inversão da ordem lógica (hipérbatos), favorecem o ritmo das suas ideias lúcidas e disciplinadas.
Alberto Caeiro
Alberto Caeiro apresenta-se como um simples "guardador de rebanhos", que só se importa com ver a realidade de forma simples e natural, com a qual contacta a cada momento. Daí o seu desejo de integração e de comunhão com a natureza. Para Caeiro, pensar é estar "doente dos olhos". Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, pensa vendo e ouvindo. Recusa o pensamento metafísico, afirmando que "pensar é não compreender". Ao este pensamento e ao voltar-se apenas para a visão total do mundo, elimina a dor de pensar que afecta Fernando Pessoa ortónimo. Alberto Caeiro é o poeta da natureza que está de acordo com ela e a vê na sua constante renovação. Ele dá especial atenção ao acto de ver e discorre sobretudo sobre as sensações, num discurso em verso livre, num estilo coloquial e espontâneo. É um sensacionista a quem só interessa o que é captado pelas sensaçãoes e a quem o sentido das coisas é reduzido à percepção da côr, das formas e da existência. Caeiro é o poeta da simplicidade completa, da objectividade das sensações e da realidade imediata, negando mesmo a utilidade do pensamento. Vê o mundo sem necessidade de explicações; para ele o mundo é sempre diferente e múltiplo.
Em relação aos seus poemas, estes são uma atitude involuntária e espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de outros tempos. Interessam-lhe as impressões, principalmente visuais, recusa a introspecção e a subjectividade, sendo o poeta do real objectivo. Por este motivo, utiliza vocabulário corrente e simples, frases curtas, repetições, frases interrogativas e reticências.
Álvaro de Campos

Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso para escrever”. O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no “extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser, como este, um discípulo de Caeiro. Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensasionalismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir.

Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a “sensação das coisas como são”: procura a totalidade das sensações e das percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de todas as maneiras”.

Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é figurado “biograficamente” por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do progresso. Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo, delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.

Em relação às suas composições poéticas, Álvaro de Campos viva várias fases. A primeira é a do decadentismo, que exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações. Segue-se a fase futurista/sencionalista, que se relaciona com o elogio à civilização e à técnica, com uma atitude escandalosa e com a ruptura com o subectivismo da lírica tradicional. Representa a vivência em excesso das sensações, chegando mesmo a demonstrar um certo masoquismo. Por fim, existe a fase pessimista/intimista durante a qual, perante a incapacidade de realizar aquilo a que se tinha proposto, Álvaro de Campos traz de volta o abatimento, sofrendo fechado em si mesmo, angustiado e cansado.

No que diz respeito ao estilo de escrita, o poeta utiliza versos livres, em geral longos, assonâncias, onomatopeias, aliterações, grafismos expressivos, interjeições, exclamações, pontuação expressiva, neologismos, hipérboles, entre outras.

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